Desde 2018, a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) desenvolve em seu campus de São Lourenço do Sul, o projeto PANCPOP. Coordenado pela professora Jaqueline Durigon, o projeto tem conquistado diferentes espaços, tornando a plantas alimentícias não convencionais (PANC) cada vez mais populares e acessíveis a todos(as). Em parceria com o Instituto Koinós, muitas famílias camponesas têm sido impactadas pelas atividades do projeto. Nesta entrevista, Jaqueline explica a importância das PANCs no contexto atual e fala sobre as atividades desenvolvidas.
Instituto Koinós – O que é uma PANC?
Jaqueline Durigon – A sigla PANC significa planta alimentícia não convencional. São espécies ou partes de plantas, que não são vistas pelo sistema agroalimentar hegemônico como alimento e por isso não estão no cotidiano alimentar da maioria da população. Ou seja, são plantas que não vemos como comida pois não estão nos nossos hábitos alimentares. Nem no imaginário de comida da maioria da população estão presentes. Em alguns casos são partes de plantas que conhecemos, mas que são subutilizadas, como o coração ou o palmito da bananeira e a casca da banana, porque se desconhece seu valor alimentício. A maior parte da nossa alimentação são espécies nativas e consideradas plantas alimentícias não convencionais. Plantas que são tradicionalmente consumidas também são consideradas PANC, pois estão restritas a alguns grupos menores, por não estar no cotidiano alimentar da maioria da população. Quando se fala de PANC é preciso pensar em um contexto social, político e econômico. Não é um conceito agronômico ou biológico.
IK- Cite alguns exemplos de PANCs.
JD- Muita gente pensa que PANC é só aquilo que nasce de forma espontânea. Existem, sim, as PANC de crescimento espontâneo, que nascem nos jardins, estufas, hortas, quintais e vasos. Mas há também espécies de PANC que são cultivadas. Outro equívoco é pensar que as PANC são só hortaliças folhosas. Elas podem ser raízes, tubérculos, palmitos, flores, frutos, sementes, óleos e resinas retirados das plantas. Assim, existe uma ampla gama de produtos que podem ser considerados PANC. Alguns exemplos de tubérculos comestíveis são o inhame, tupinambor, mangarito, batata yacon, araruta, açafrão da terra, há uma grande diversidade. Em termos de folhosas, temos as espontâneas como beldroega, picão preto, picão branco e erva de pinto, mas também temos as cultivadas como azedinha, peixinho da horta, espinafre de Okinawa, vinagreira roxa. Há, por fim, flores alimentícias como a dália, rosa, hibisco, bouganville, usadas como ornamentais, mas que também podem vir para o prato. E as frutíferas nativas via de regra são consideradas plantas alimentícias não convencionais, como araju, araçás, pêssego da praia, butiá, gerivá.
IK- Como o cultivo de PANCs pode contribuir para uma agricultura sustentável?
JD- Além do uso alimentício, essas plantas cumprem um papel importantíssimo para o equilíbrio dos agrossistemas. Compõem várias tecnologias sociais no campo, vários saberes da agricultura familiar e camponesa, muitas delas são repelentes, construtoras de solo, adubos verdes, atrativas de polinizadores, protegendo beiras de rios e muitos outros benefícios. São espécies multifuncionais com diferentes propósitos. Do ponto de vista da produção de alimentos, essas espécies têm demonstrado grande resistência e resiliência aos fenômenos climáticos adversos, como secas extremas. Algumas chegam a sofrer algum dano com o evento adverso, como ventos ou chuvas extremas, e se reestabelecem. Isso foi observado nas enchentes do RS com o jambu, por exemplo. Ficou submersa por mais de um mês e depois disso ainda conseguiu brotar. Portanto, as PANC são chave de um novo modelo de agricultura, mais conectada com a realidade climática atual.
IK- Como os agricultores estão sendo capacitados no projeto PANCPOP?
JD- No projeto de extensão PANCPOP, do campus São Lourenço do Sul, da FURG, trabalhamos com famílias da agricultura familiar, camponeses e camponesas, fazemos cursos, oficinas e atividades de formação desde 2018. Realizamos palestras e cursos em assentamentos, territórios quilombolas e nas propriedades, promovendo a reconexão com espécies já conhecidas e trazendo algumas novidades para esses produtores enquanto uso alimentício. Outro ponto importante do projeto tem sido a inserção dessas espécies nos sistemas de cultivo, apresentando técnicas, épocas de colheita, processamento e preparo para a comercialização e alimentação das famílias. Nos últimos dois anos, agricultores que já receberam essa formação estão compondo nossa equipe de instrutores, atuando como multiplicadores em suas comunidades.
IK- E como tem sido a parceria do projeto PANCPOP com o Instituto Koinós?
JD – O Instituto Koinós tem vários projetos socioambientais e a parceria com o projeto PANC POP se dá de várias formas. Ao apoiar a agricultura familiar e camponesa, o Koinós colabora com o propósito do nosso projeto, pois atua na diversificação da agricultura familiar, manutenção e inovação do modo de vida camponês e conservação de tecnologias sociais, pois são saberes das próprias comunidades. Assim, o principal ponto dessa parceria é o fortalecimento da agricultura familiar e movimento dos pequenos agricultores. Inclusive, já viabilizamos a participação de agricultores de várias regiões do RS em um evento que organizamos, em São Lourenço do Sul, com o apoio do Koinós. Esperamos continuar neste trabalho conjunto com o instituto, sempre nesta perspectiva de apoio à agricultura sustentável.