“Solidariedade, lucidez e ternura foram as marcas da presença de Eduardo Moreira na Missão Sementes da Solidariedade. Deixou um pouco de si em cada um de nós. Levou um pouco de nós consigo.” Assim o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e um dos coordenadores da missão Frei Sérgio Görgen sintetizou a participação do escritor e idealizador do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) nas cerimônias de entrega dos kits arrecadados aos atingidos pelas enchentes no Vale do Taquari no RS.
As atividades reuniram famílias agricultoras em Muçum, uma das cidades mais atingidas, e Arroio do Meio, nesta quarta-feira (4), dia de São Francisco de Assis, o que foi celebrado em todas as manifestações. Eduardo Moreira chegou ao estado ainda na noite de terça-feira, quando participou de um momento de reflexão com representantes das entidades organizadoras da missão, no Convento dos Franciscanos, em Daltro Filho, Imigrante.
O primeiro ato ocorre na manhã de quarta, em Muçum, no Salão Paroquial, e contou com a presença do prefeito da cidade, Mateus Giovanoni Trojan, o secretário municipal da Agricultura, Rodolfo Pavi, do pároco Alberto Tremea, e do superintendente substituto do Ministério do Desenvolvimento Agrário do RS, Igor Teixeira.
Conduzida pelo poeta Odilon Ramos e o músico Antônio Gringo, a mística emocionou aos presentes. A secretária regional da Cáritas Jacira Teresinha Dias Ruiz, e o dirigente estadual do MPA, agricultor no Vale de Taquari, Lari João Hofstetter, apresentaram a proposta da missão Sementes de Solidariedade.
“Somos todos e todas sementes”
“Esse é um momento muito significativo para cada um e cada uma de nós que estamos aqui. Desde o dia desse desastre, começamos a pensar o que podíamos fazer para ajudar. E decidimos fazer uma ação em relação ao mundo rural, aos pequenos da terra, que também perderam tudo. E pensamos, então, de oferecer o que nós temos, sementes. Com essa simbologia, queremos lembrar que sementes somos todos nós”, destacou Jacira.
Segundo ela, foi feito um cadastramento de quase 600 famílias das comunidades atingidas. “Muitas nós não encontramos. As pessoas ainda não tinham voltado para suas residências. Mas essa campanha continua aberta. Nós vamos continuar cadastrando essas famílias para entregar, então, um kit de sementes e de mudas. Essa é a nossa missão, essa é a nossa campanha, e hoje, marcando o dia de São Francisco e um mês dessa tragédia, nós achamos que tinha sentido iniciar simbolicamente esse processo, esse passo da campanha.”
Lari João Hofstetter também reforçou o sentido da campanha. “Com o coração partido, durante todo esse período de um mês, nós convivemos de uma maneira simples, mas concreta, com todos vocês. Fomos em muitas casas onde as sementes desapareceram, as águas levaram. Também derrubou as sementes humanas. Chegamos em lares onde se abraçaram conosco e choraram, e chorávamos juntos, porque é muito difícil.”
O dirigente destacou o papel dos movimentos sociais nas ações de solidariedade. “Vamos para a defesa da semente, da semente saudável, não a semente que nos traz a doença, que nos traz a morte, lembrei agora, além de nossas sementes humanas, lembrei do milho. O quanto é importante essa semente do milho, quando nós queremos fazer uma polenta boa, nós precisamos de um milho bom. Precisamos de um milho saudável, e quem o planta ainda são os pequenos. E nós precisamos ajudar a preservar as sementes, as sementes crioulas. Isso é o que nós estamos fazendo.”
O secretário da Casa Paroquial de Muçum, Rudi Giora, falou em nome da comunidade. Ele reforçou a necessidade da coragem e da união para reconstruir a cidade. “Hoje, dia de São Francisco de Assis, Francisco vai e reconstrói a minha igreja, mas para nós, Francisco vai reconstruir a minha casa, a nossa casa. Agora não podemos mais ficar desmotivados.”
Coragem e união para reconstruir
Rudi lembrou de todo o apoio recebido. “Choramos bastante, sofremos bastante, mas fomos muito abraçados. A solidariedade que nós recebemos nesta cidade, nos tocou o coração, nos fez pensar, nos emocionou. Quanta alegria, quantos vieram nos abraçar, embaixo de chuva, trabalhando, se dedicando, se esforçando, dando o seu melhor, o próprio Cristo está no irmão, o próprio Cristo está ao nosso lado, pedindo a nossa ajuda, precisando da nossa ajuda. Todo mundo é um instrumento de ajuda para o outro, precisamos de todos unidos.”
O prefeito da cidade, Mateus Giovanoni Trojan, destacando um trecho da música Ando devagar, cantada pelo Antônio Gringo, disse que o sentimento era esse. “Todos nós já choramos demais. Imagino que em cada mente, em cada lembrança, cada um de vocês têm as suas histórias, os seus momentos de angústia, de trauma, de coisas que vivenciaram, mas talvez só vocês mesmo saibam o quanto foi difícil e o quanto está sendo difícil.”
Mas hoje, continuou o prefeito, um mês depois dessa tragédia, nós estamos aqui para falar de vida. “Vida através das sementes, vida através das flores, através dos animais, da inocência dos animais. Então, eu acho que não tem palavras que a gente possa dizer, que, de fato, motive vocês. Mas as ações de tantas pessoas, de tantas empresas, de tantas instituições, fazendo trabalhos lindos, voluntários, largando as suas vidas para se dedicar ao próximo, eu acho que vem daí a maior motivação que nós precisamos. Se tem tantas pessoas trabalhando por nós, nós não podemos desistir.”
“Permitir que a ação brote de onde ela sempre deveria brotar”
Eduardo Moreira manifestou sua solidariedade e parabenizou todos pela coragem. “Coragem é uma palavra tão bonita que a gente esquece, às vezes, o que quer dizer. O coração que age, coraticum do latim, e eu acho que o que todos e todas estão fazendo aqui é permitir que a ação brote de onde ela sempre deveria brotar, do nosso coração, da nossa alma, aquele que lá no fundo está sempre em contato com o maior, que está sempre em contato com aquele que nos quer ver juntos e que nos faz irmãos e irmãs.”
Ele destacou ainda a alegria de estar vivenciando aquele momento no dia de São Francisco de Assis. “É muito especial estar aqui neste dia. E apesar de a gente estar quase mil anos depois, vamos completar 800 anos da morte de São Francisco, daqui a três anos, dois ensinamentos de São Francisco, os dois principais, eles se fazem mais do que nunca necessários e presentes: o cuidado com a nossa casa maior, o cuidado com os nossos irmãos rios, o cuidado com nossas irmãs florestas, o cuidado com nossos irmãos animaizinhos, cuidar da nossa casa é um dever, porque ela estava aqui antes da gente surgir”, reforçou Eduardo.
E o segundo ensinamento de São Francisco, continuou, é cuidarmos uns dos outros. “Sermos capazes de fazer isso que a gente está fazendo hoje, sofrermos com o sofrimento dos outros. A palavra compaixão vem de compartilhar a paixão e paixão quer dizer sofrimento. Compartilhar o sofrimento, oferecer o ombro para que a carga no ombro do irmão ou da irmã seja um pouco menor e a gente tem a capacidade, a força para compartilhar esse sofrimento.”
Por fim, ressaltou que o que viu, primeiro, “é muito forte, é muito chocante em alguns lugares da cidade onde eu visitei, eu vi cenas que eu jamais vou esquecer e que vão pra sempre deixar uma cicatriz mesmo, mas eu também estou vendo uma solidariedade que é impossível de esquecer. E isso que eu aprendo com vocês hoje. Em mim é semente também, e é isso que a gente tem que ser, instrumento”.
A segunda entrega aconteceu durante a tarde em Arroio do Meio, na comunidade de Forqueta Baixa, com realização de Almoço Solidário e o ato da entrega dos kits.
A campanha de arrecadação recebeu centenas de doações ao longo das últimas duas semanas, viabilizando a aquisição de cerca de 5,5 toneladas de sementes de milho, 3 toneladas de sementes de feijão, 10 mil sachês de sementes de hortaliças, 1,1 mil feixes de ramas de mandioca, 5 mil mudas de árvores de árvores frutíferas, mil unidades de plantas medicinais, mil mudas de batata doce, 3 mil mudas de flores, entre outros itens que serão repassadas a cerca de 500 famílias atingidas que perderam seus plantios e infraestrutura produtiva.
Participam desta ação proposta pelo Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ) movimentos sociais como Movimento dos Pequenos Agricultores e Agricultoras (MPA), o Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Também estão somadas à ação organizações como a Cáritas RS e Cáritas Brasileira, o serviço de Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Franciscanos (JPIC) e o Instituto Koinós.
A Missão Sementes de Solidariedade segue recebendo doações, buscando ampliar o alcance de suas ações junto aos públicos localizados na zona rural, trabalhando especialmente com sementes para replantio das lavouras e roçados destruídos. Qualquer valor é importante e a doação pode ser encaminhada por PIX ou depósito bancário na conta da Cáritas: PIX: 33654419001007 (CNPJ); Depósito Bancário: Conta Corrente: 55.450-2. Agência 1248-3 (Banco do Brasil)